segunda-feira, 18 de maio de 2009

Visões que se desdobram: a arquitetura na era da mídia eletrônica

Visões que se desdobram: a arquitetura na era da mídia eletrônica foi o último texto lido pelo grupo. Neste ensaio, publicado na revista italiana Domus em 1992, o autor propõe-se a descobrir uma maneira de nos libertar da visão antropocentrista e racionalizadora dominante em nossa sociedade. De início, observa-se que há um espaço de quatorze anos entre este e o primeiro artigo escrito por Eisenman – o pós-funcionalismo – e lido por nós do Labearq, essa constatação permitiu-nos verificar certas mudanças em seu discurso – típicas de um amadurecimento acarretado através dos anos.

O autor aponta que a mudança do paradigma mecânico para o paradigma eletrônico, a partir da segunda metade do século XX, acarretou sérias mudanças na sociedade, mas que essas mudanças não chegaram a interferir na arquitetura. Eisenman mais uma vez traz à tona essa resistência da arquitetura em relação às transformações que se processam mais facilmente em outras disciplinas. Ao se questionar do porquê dessa dificuldade Peter Eisenman encontra na visão, resposta possível a esse problema. O autor passa a contestar questões inerentes à visão e afirma que para que se possa romper com as idéias limitadas de apreensão da forma, nas quais estamos condicionados, é necessária uma profunda crítica da representação (cita que tal objetivo foi alcançado com êxito pela pintura cubista e pela escultura minimalista na década de 60).

Eisenman busca a reflexão sobre a forma que o sujeito olha uma obra de arquitetura – forma monocular e antropocêntrica, vinculada à questão da invenção da perspectiva desde século XVI. A perspectiva direciona o olha e prende-nos a esse modo de ver limitado e racionalizante, pois nos faz apreender o espaço por inteiro e de um só “golpe”. Eisenman fala que a invenção da perspectiva linear se deu numa época de mudança de paradigmas, quando houve o deslocamento do teocentrismo para antropocentrismo. Essa colocação nos leva a pensar em um novo “centrismo”, onde a mídia eletrônica configuraria esse novo centro. De fato, atualmente há o reconhecimento da interferência direta da mídia no pensamento e comportamento na sociedade, mas apesar disso, o homem não saiu do centro do mundo, ele ainda é o ser que o manipula, é ele quem faz que essa revolução tecnológica aconteça. O que acontece hoje em dia é uma mudança naquilo que se domina; o homem agora precisa dominar o conhecimento e não mais a natureza, sem se deixar ser dominado por ele.

O autor coloca que o deslocamento da visão talvez exija uma inscrição que resulte de um discurso externo, que não esteja determinado nem pela expressão de um desejo, nem pela função. Nesse ponto, Eisenman introduz a ideia das dobras, que toma de empréstimo de Gilles Deleuze. A dobra articula uma nova relação entre horizontal e vertical, figura e fundo, dentro e fora, todas essas vinculadas ao modo tradicional limitado de ver as coisas. O objeto dobrado vai se desdobrando e criando relações ininterruptas entre interior e exterior, dessa forma, ao contrário do espaço da visão clássica, a ideia que orienta o espaço dobrado recusa o enquadramento em favor de uma modulação temporal. A proposta é que os espaços “olhem de volta” para o sujeito, que a apreensão destes não se esgote de uma única vez.

Eisenman acrescenta que a dobra pode ser considerada efetiva, pois se materializa, como também significa a passagem de um espaço efetivo para um espaço afetivo, pois dialoga com o sujeito, provocando neste, a necessidade de olhar, de desvendar – que pode ser gerada através da ansiedade (relação com o grotexto). É no final do ensaio lido anteriormente, que Peter Eisenman traz pela primeira vez a questão do usuário. No presente ensaio discutido por nós, percebemos a “preocupação” do autor com esse usuário, com o sujeito (esta preocupação não é com a maneira como os outros usam o objeto, mas sim com a maneira como os outros o observam). Fica evidente, que sua arquitetura é tratada enquanto objeto de arte – pois há o leitor que entende o processo e o usuário que contempla. O grupo observou que o discurso contido nos textos lidos anteriormente era voltado para o leitor-arquiteto (nossa classe de arquitetos entendedores do processo) e não para esse sujeito-contemplador, e que Peter Eisenman sempre esteve vinculado com a questão da autonomia da arte.

A partir da discussão desse ensaio, percebemos que este é o único texto em que Eisenman menciona uma obra sua. Para ilustrar a questão das dobras o autor cita o edifício Alteka Tower, projeto de fez em 1991, para um edifício comercial em Tóquio. Além disso, o autor reconhece que ele próprio representará, num momento futuro da história da Arquitetura, o começo primitivo de uma nova linguagem que estabelecerá tipos. O autor traz essa nova lógica, que foge dos moldes tradicionais da arquitetura, como a lógica prototípica. Essa lógica prototípica seria uma forma que viria anteriormente a própria tipificação do que seria uma arquitetura de dobras. Percebe-se que o que o autor está querendo chamar a atenção não é especificamente a questão da dobra como proposta arquitetônica mas, a maneira de induzir a mudança de olhar, ele mesmo escreve que a dobra não é a única forma de deslocar essa visão.

Fato importante obtido através da análise desse último texto é que, a partir das dobras, Peter Eisenman afasta-se do desenho e alia-se ao computador. Ou seja, é, nesse momento de sua atividade arquitetônica, que Eisenman encontra nos diagramas (espécie de grelha para compor a volumetria e dividir os espaços) sua metodologia compositiva.

Ao final da discussão, o grupo observou ainda, que Eisenman abandona parte das coisas que tinha dito em seu primeiro discurso – a questão da interioridade e da intemporalidade, da rejeição daquilo que é externo – essas mudanças parecem indicar que o arquiteto está começando a entrar na lógica e ritmo do mercado. Para nós é como se o autor tivesse teorizado e agora fosse tentar tornar isso mais palpável, defendendo e conformando sua arquitetura (traz exemplo de um projeto seu), para que esta pudesse se tornar mais aplicável a prática e a lógica arquitetural.

Escrito e postado por: Luísa Estanislau


domingo, 10 de maio de 2009

En terror firma: na trilha dos grotextos

Datado de 1988, publicado no primeiro número da Partt Journal of Architecture, o ensaio que carrega o título EM TERROR FIRMA: NA TRILHA DOS GROTEXTOS; de início ressalta a herança direta de Derrida: Peter Eisenman já começa a manipular as palavras desde o título. Fusionando grotesco com textos. Uma alusão à significância que o grotesco representa, concomitantemente com a nova proposição da arquitetura ser interpretada como um texto (idéia que é exposta no ensaio sobre a figura retórica)fazendo assim, um jogo de significância que será melhor esclarecido no decorrer desta exposição.

O ensaio começa, pontuando algumas idéias explanadas por um de seus clientes, que o próprio Eisenman já havia se preocupado em expor anteriormente: a respeito da arquitetura não buscar uma evolução moderna. Mas agora, com uma nova problemática, a tecnológica que estava cristalizando-se. O fato do homem apenas buscar manter um controle da natureza, e através disto, produzir objetos racionais que materializassem o bom, o verdadeiro, o natural que seriam belos. Contudo, essa dominação não representaria mais o carro-chefe da arquitetura, pois uma nova perspectiva entraria em cena: a tecnologia dominando o homem, em vez do contrário.

Logo, Eisenman propõe um deslocamento do discurso arquitetônico, que além de continuar dominando as forças da natureza, agora abre o foco para essa nova realidade; a do conhecimento que exigiria uma complexidade maior de representação, já que se apresenta como algo não físico, diferentemente da natureza (físico).

Para chegar na conclusão do que seria esse deslocamento, como era de esperar, ele recorre a embasamentos para dar corpo a sua nova proposta. No caso, toma como partida de que toda arquitetura até então, estava fundada da tríade vitruviana (estrutura, comodidade e beleza). Onde o Belo, sendo dialético, estaria ligado ao bom, natural, racional e o verdadeiro; mostrando que independente da estética seguida, a busca destes valores sempre foram os mesmos.

No decorrer de sua explicação, toma Kant como exemplo quando diz que dentro da beleza existia o sublime, que era algo que não estava na esfera do bom e natural (esta condição de estar condito em, será a gênese do processo desta ideologia de deslocamento). Admite que o sublime contém uma condição incerta, indizível, não-natural, não-presente e não-físico (que o belo tenta mascarar, essa semelhança com o terrível).

A definição do grotesco, com a proximidade do terrível (negativo do sublime), não ocorre na arquitetura. Pois o sublime é algo do plano etéreo (não-material), e o grotesco corresponde à matéria, sendo a simbologia das incertezas humanas no plano físico. Logo, a arquitetura(matéria que contém o grotesco) fundada no belo, modela sua espacialidade, de forma a mascarar a presença do grotesco (idéia do disforme e supostamente não-natural) no plano material.

Segundo o artigo, o grotesco é a materialização da relação inquietante do eu, com o mundo natural, provocando essa representação disforme, do incerto e não-natural. Sendo o sublime e o grotesco a relação entre o homem e o mundo natural, explana que para ocorrer o deslocamento, será necessário uma reconceituação dos mesmos no domínio do conhecimento. Trará uma forma mais complexa, que contenha o feio dentro de si, ou uma racionalidade irracional.

O fato de “conter dentro de si”, significa uma ruptura com a tradição das coisas serem em pares opostos e traz quarto aspectos para que haja tal deslocamento.

-O primeiro, diz respeito ao projeto. Onde distancia o deslocamento de um mero expressionismo referente à intuição de gosto (gostar disso ou daquilo). Já que a intuição carrega o repertório arquitetônico, e tal projeto nunca produzirá um estado de incerteza; no máximo ilustrá-la.

Traz o grotesco e o estranhamente familiar, como algo não projetáveis, incertos, mas com possibilidade apenas de conceituação. Diferente do projeto, pois é não-textual, já que exprime uma certeza (para ser materializado); e que toda tentativa de projeto de algo entre o incerto e o polivalente apenas ilustrará superficialmente essas condições.

Para que o deslocamento ocorra, prega que elementos como forma, função, local e significado sejam vistos como textos (o que na realidade não são). Uma distinção importante é a do texto e textualidade: texto seria uma fonte original, e a textualidade uma condição de alteridade ou de coisa segunda. Um exemplo para tal textualidade, é o traço, a presença da ausência explanada no texto da figura retórica. O traço não pode ser original, pois remete a algo precedente, esse potencial de alteralidade tira a dominância da presença. Logo para que haja um traço, deverá existir no mínimo de dois textos.

-O segundo aspecto traz uma duplicidade, que na verdade reafirma o primeiro aspecto. Essa duplicidade não enquadra-se na categoria de forma e função. De estrutura e ornamento, pois são categorias hierárquicas. Já a duplicidade proposta, é referente à uma estrutura de equivalências, existindo uma incerteza, onde o traço nunca irá se sobrepor ao texto. Esse traço, será entendido como algo interior ao texto, que geralmente seria suprimido na leitura hierárquica. Logo a falta de dominância entre as duas presenças dos textos, traz uma condição entre a ausência e presença.

-O terceiro aspecto é uma condição de estar entre. Traz uma nova sugestão de objeto sendo uma imagem fraca, que seria a perca de uma significância majoritária dos textos. Assim os dois textos, com suas respectivas imagens fracas, insinuariam uma terceira imagem desfocada. Essa condição de estar entre (um não dialético, mas dentro de), seria algo que significaria quase uma coisa ou outra, que na verdade não é nada das duas coisas; o deslocamento representa essa incerteza de um conhecer parcialmente.

A arquitetura como uma imagem fraca, afasta as categorias tradicionais dessa dominação do mundo natural.

-O quarto aspecto, q ele pouco explica, chama-se interioridade, e traz dois novos termos: o não-visto e o escavado.

A interioridade, sugere a negação do recinto ou lugar tradicional, não tento ligação com o espaço interno, e sim um condição de estar dentro. Também é referente à textualidade, no que se aborda o significado dos signos da arquitetura deslocada, para dentro de uma condição já existente. O não-visto e o escavado, Eisenman traz que é tal como o grotesco.

Há uma mudança do pensamento do arquiteto que é pontuada no final do artigo. Pela primeira vez, há a figura do usuário, e afasta o gênio romântico no campo da arquitetura. Logo, o objeto não precisando mais do usuário nem do arquiteto para controlarem o mesmo, nem precisando parecer feio, disforme ou não-natural para causar incerteza. E sim esse distanciamento da possibilidade de posse, que irá provocar uma ansiedade.


Escrito e Postado por: Márcio Fernandes Tabosa
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