quarta-feira, 29 de abril de 2009

A Arquitetura e o problema da figura retórica

Dando continuidade à leitura dos textos de Peter Eisenman, reunidos por Kate Nesbitt em sua antologia teórica, o texto abordado agora é o “A Arquitetura e o problema da figura retórica”. O texto foi apresentado em uma conferência na Universidade de Yale, no ano de 1987 e publicado originalmente na revista “Architecture and Urbanism”.

A partir do pensamento de Sigmund Freud sobre o “comportamento” do espaço, Eisenman começa a construir seu discurso. Para Freud o mesmo espaço não pode abrigar diferentes conteúdos, Peter complementa que essa afirmação é verdadeira, se, e somente se, consideramos que a Arquitetura pertence a algo ou a um lugar.

Essa impossibilidade de sobreposição do espaço é identificada por Eisenman como uma repressão cultural, sendo nomeada por ele como sendo a Arquitetura Clássica. È senso comum, diz ele, a idéia que é tarefa da Arquitetura a representação da realidade, assim como também é papel dela ser também referência, ser centro. Eisenman discorda desse pensamento comum, e segue dizendo que é exatamente o contrário, que é a capacidade de recentrar que faz da Arquitetura ser o que ela é. Para localizar o habitar é necessário que ele (o habitar) se desloque, reinventando-se, e mais uma vez locando (centrando). Prosseguindo com seu pensamento Eisenman diz que para reinventar um local (cidade ou casa) é necessário que haja uma liberdade em relação a seus conceitos, com seus respectivos significados. È preciso que mudemos a maneira de interpretá-las: saindo de uma interpretação tradicional (estética/metafórica) para uma leitura retórica.

Para ilustrar a forma pela qual a Arquitetura pode ser lida de forma retórica, Eisenman, mais uma vez, baseia-se em Jacques Derrida. Utilizando como exemplo a palavra “cat” (gato em inglês), ele explica a seguinte relação: quando lemos a palavra “cat”, não nos demoramos investigando a relação entre as letras, imediatamente a imagem do animal nos vem à cabeça. Através deste exemplo ele afirma que as palavras são transparentes, vemos o significado através delas, em oposição à opacidade transmitida pela Arquitetura. Para exemplificar a opacidade na Arquitetura, ele utiliza o exemplo do elemento estrutural parede. Ele diz que as paredes não só concretamente são opacas, mas é muito difícil conectar outro significado a ela que não seja ela mesma.

Eisenman prossegue postulando de que forma se pode “construir uma parede menos opaca”, ou seja, mais retoricamente. Para fazê-lo, diz ele, é necessário inserir uma ausência. Tal ausência tem que ser implantada, na presença da Arquitetura. Sendo mais objetivo, é necessário que a Arquitetura, em sua presença, não venha arraigada de qualquer conceito anterior, nascendo assim ausente.

Essa ausência é o que Eisenman denomina de figura retórica, em oposição à tradicional figura representacional. Tradicionalmente na Arquitetura, diz ele, há uma predominância da figura representacional que tem valor extrínseco e, por esse motivo, há também nela uma ausência (que neste caso é uma ausência de valor). Por este motivo a figura representacional tem também, a seu modo particular, sua retórica. Em oposição, a figura retórica proposta por Eisenman representa, ela mesma, sua própria ausência. Ela contém a indeterminação de seu sentido, criando assim “signos flutuantes”, sem significados pré-determinados. De uma forma geral, Eisenman quer propor uma nova maneira de se ler e de se fazer Arquitetura. Sua figura retórica é retórica por dois fatores: escreve textos de ausência e, além disso, escreve textos diferentes dos tradicionalmente aceitos na Arquitetura.

Eisenman diz que a figura retórica também propõe uma leitura alternativa dos conceitos de sítio e de objeto. A figura retórica estará bem contextualizada no sítio, quando este último, for tratado como um palimpsesto. Originalmente um palimpsesto é um pergaminho onde a cada vez que se escreve algo novo, as marcas do que anteriormente foi escrito não se apagam, havendo sempre uma sobreposição de “textos”. Ao tratar o sítio como um palimpsesto, Eisenman desfaz a idéia tradicional de sítio como sendo único e com uma idéia culturalmente determinada. Esse novo processo proposto não leva em consideração as características culturais do sítio, ele sobrepõe conteúdos antigos com o intuito de criar um novo significado. O resultado, que é retórico, revela o que ele denomina de textos primitivos. Tais textos obtidos podem ser lidos no resultado final, porém eles não eram previsíveis inicialmente.

Através disso Eisenman inverte a relação hierárquica entre signo e significado. Tratar o sítio como um palimpsesto, sobrepondo sítios antigos, faz com que se sobreponha os significados, com o intuito de se conseguir um “signo final”. O ato de sobrepor, a criação de novos lugares, quebra a noção tradicional de lugar. Cada lugar agora é a junção de vários e diferentes lugares, assim paradoxalmente se reforça a idéia de lugar, mas ao mesmo tempo ela é negada. Como anteriormente dito o resultado é algo indeterminado, algo que não remete a conceitos clássicos, algo desprendido da noção de tempo e espaço. Desse modo a ausência se caracteriza como um aspecto imprescindível para que exista uma figura retórica.

Assim com a introdução das figuras retóricas, se nega os conceitos culturalmente determinados sem negar a própria forma arquitetônica. A diferença agora é que essas formas são ausentes de significados prévios ou posteriores, elas estão destituídas dos valores tradicionais. Assim como nas proposições feitas em “O fim do clássico: o fim do começo e o fim do fim”, Eisenman reconhece também na figura retórica sua condição fictícia.

Eisenman nesse texto adiciona mais alguns argumentos em sua tão notada recusa a ratificar e aceitar os postulados propostos pelo Movimento Moderno, como também pelo seu sucessor o Pós-Moderno, ao mesmo tempo em que colabora com novos termos constribuindo assim para a construção do seu próprio discurso.

Postado e escrito por: Fabio Henrique Sales Nogueira
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