segunda-feira, 6 de abril de 2009

O fim do clássico: o fim do começo, o fim do fim

Para análise dos textos, o grupo adotou como metodologia a leitura cronológica dos artigos de acordo com seus respectivos anos de publicação. Dessa forma, pretende-se visualizar o processo de construção e evolução do pensamento de Peter Eisenman, e também facilitar a percepção do reflexo da produção teórica nas obras arquitetônicas do autor. O texto abaixo foi escrito a partir das reflexões levantadas na discussão, realizada pelo grupo, do artigo em questão.


O texto discutido no segundo encontro, O fim do clássico: o fim do começo, o fim do fim (1984) é um desdobramento da teoria proposta no Pós-funcionalismo (1976) acerca a perpetuação do clássico na arquitetura ao longo dos últimos cinco séculos. O artigo em questão se propõe a elaborar uma alternativa ao clássico. Essa alternativa começou a ser anunciada no texto anterior, quando Eisenman introduz o pós-funionalismo, termo de ausência, que atenta para a necessidade de elaborações teóricas que se posicionem frente à “nova consciência na arquitetura” que, segundo o autor, está potencialmente diante de nós.


Eisenman defende que a arquitetura desde o Renascimento até a atualidade, esteve ligada à expressão de três ficções – a representação, a razão e a história - que conformaram uma continuidade no pensamento arquitetônico: o Clássico. Com a intenção de ser intemporal, significativa e verdadeira, a arquitetura tem incorporado valores clássicos como atributos inerentes à sua linguagem, o que na verdade não se verifica. Sendo assim, na opinião do autor, toda a produção abraçada por esse período ininterrupto da História é essencialmente clássica, e perpetuação desse estilo vem sendo causada pela persistência dessas três ficções. O grupo observou que o autor já inclui como objeto de sua crítica o Pós-Modernismo, período no qual o texto foi escrito.


Para caracterizar a primeira ficção, a representação, o autor afirma que antes do Renascimento havia a congruência entre linguagem e representação, ou seja, o significado do objeto estava expresso nele mesmo. Na discussão, foi citada como exemplo a arte da Antiguidade que portava o seu significado sem a necessidade de recorrer a símbolos passados ou imagens futuras para se justificar. (A Arte clássica existia de facto).


Durante o Renascimento, a mensagem expressada pelas obras arquitetônicas do classicismo, não podia ser desligada da relação desse período com o passado clássico. O significado do passado foi manipulado para representar o que era interesse do presente, assumindo a forma de diferentes possíveis mensagens.


Neste ponto, o grupo sentiu a necessidade de explicitar a diferenciação entre mensagem e significado, que consiste na existência de um contexto autêntico. Enquanto o significado foi gerado a partir de uma realidade específica e se relaciona com esta, a mensagem é uma variação do significado, quando este é utilizado em um contexto estranho ao de sua origem.


Eisenman se apropria do termo de Baudrillard para afirmar que o Renascimento foi a primeira ficção involuntária do objeto, caracterizando-se como uma simulação, já que realidade ao qual ele remete (clássico) não existe mais. O significado está descontextualizado.


Para o autor, a arquitetura moderna também se converteria em simulação. Ao fazer da função a fonte de imagens de suas formas, conferindo a estas um aspecto limpo e sem ornamentos, revelava-se a verdadeira essência do objeto ao invés de propor uma outra linguagem. Outro ponto a se destacar é que a arquitetura modernista conservou a utilização de sistemas compositivos inerentes ao clássico, o que permite dizer as duas tendências continham relações semelhantes, apesar da diferença fisionômica dos objetos gerados.


Por volta do século XVIII, o homem toma consciência que não é o agente originante de todas as ações, estando estas sujeitas a vários processos que não podem ser reduzidos em termos de causa e efeito. Nesse contexto, a razão volta-se sobre si mesma, realizando sua análise, tornando mais complexos os sistemas de conhecimento.


Os tratadistas tentaram descobrir a forma pura, origem da arquitetura, mas a busca por significados acabou se convertendo na ocorrência de várias mensagens diferentes. O grupo fez referência ao Cenotáfio de Newton, projeto de Boullée que demonstra simbolicamente a estreita relação, nesta época, entre a verdade da arquitetura e a ciência.


Diante dessa sucessão de análises, os argumentos se converteram em métodos de persuasão dependentes da fé na razão. Nesse contexto, o autor afirma de a arquitetura não possuiu imagens da razão, e sim do desejo e da crença nesta, desta forma, se configurando em mais uma simulação.


Ao tratar da terceira ficção, a história, Eisenman demonstra que a preocupação moderna de romper com o passado e simultaneamente representar o Zeitgeist era uma contradição. Ao refletir o espírito da época, o movimento levou em conta a existência de um passado - do qual a sua atualidade se converteu em continuação - e se comportou como as demais linguagens arquitetônicas: produziu formas que fariam parte de um passado temporal através da história do Zeitgeist.


O autor inabilita o Zeitgeist como fonte do objeto arquitetônico pela incapacidade de determiná-lo de dentro do processo histórico no qual está inserido. O moderno não percebeu que sua produção fazia parte do mesmo bloco contínuo do clássico porque estava inserido no processo, sendo assim, incapaz de obter o distanciamento necessário à análise.


Na caracterização desta última ficção, o grupo pôde notar que Eisenman começa a traçar as bases de sua proposta, ao ressaltar a necessidade de se produzir uma arquitetura que não tenha por objetivo único ser reflexo do seu tempo. Como alternativa, ele propõe que seja produzida uma forma intemporal, não-universal, isenta de significado e livre de uma única verdade extrínseca à arquitetura.


Também foi notado que o autor não nega a história, apesar de condená-la como fonte de imagens. Ele apenas propõe uma escolha diferente que parte do reconhecimento da forma como agente da arquitetura.


Após defender que nem na representação, nem na razão e nem na história podem ser encontradas as fontes da arquitetura, Eisenman propõe uma outra ficção, dessa vez voluntária, ou seja, que reconhece seu caráter ficcional. Essa ficção é uma dissimulação e, ao contrário da simulação, não tenta destruir as diferenças entre realidade e ilusão.
A ficção de Eisenman, o não-clássico, não consiste no inverso do clássico nem em outro modelo estilístico – já que os modelos só causam a perpetuação dessas ficções -, mas sim em outro modo de fazer arquitetura que parte de outras escolhas.


O autor propõe que a arquitetura não se alimente de valores extrínsecos a ela, e que entenda e explore os atributos de seu potencial poético enquanto linguagem ao invés de dar importância à expressão representacional do objeto. A proposta de Eisenman produz uma arquitetura intemporal, não-figurativa e arbitrária. O autor destaca a sua artificialidade, o que levou o grupo a questionar se esta teria alguma relação com o processo computacional de construção da forma, através do uso da matemática expressa na tecnologia da era digital.


Eisenman acredita que a existência de uma origem preconcebida já traça o destino da forma em termos de composição. Por isso, ele propõe a adoção de origens arbitrárias que seriam simples pontos de partida e marcariam o início de um processo, onde a direção tomada não teria importância e nem conduziria a um fim específico. Nesse ponto, o autor se apropria de termos de Derrida, adaptando-os à linguagem arquitetônica de acordo com a conveniência de sua teoria.


O enxerto seria o corpo desse elemento arbitrário, inserido dentro de um contexto ao qual não se refere e perante o qual não assume significado. O enxerto é uma analogia ao processo e não uma representação de um determinado objeto. É uma motivação para a constante mudança. Apesar de possuir uma lógica interna, ele é arbitrário por não traçar uma linha de compreensão específica.


Confirmando a expressividade dada ao processo, nessa nova consciência proposta, Eisenman busca em Derrida outro termo para embasar sua teoria: o traço. Este seria a marca do ato de conceber a forma como uma escrita.


A existência do traço implicaria na presença de um leitor - no lugar de um observador ou de um usuário - consciente da existência de um evento de leitura e que não almeja decodificar o significado, que a esta altura já não tem importância. Na discussão, foi questionado se o autor não estaria idealizando um perfil romântico de leitor, ao mesmo tempo distanciado e alheio a valores de utilidade culturalmente atribuídos à arquitetura.


O grupo entendeu o traço como a manifestação de vários elementos que conformariam o objeto não-representacional, expressando uma ação em processo. O fato de Eisenman se apropriar dos conceitos de Derrida segundo a conveniência de suas teorias, fez o grupo sentir a necessidade de buscar compreendê-los em sua origem, recorrendo à bibliografia citada pelo autor em suas notas de referência. Será realizada a leitura de capítulos do livro Sobre a desconstrução: teoria e critica do pós-estruturalismo de Jonathan Culler, como fonte necessária à compreensão da teoria de Derrida utilizada pelo autor.


Ao final da discussão, pôde-se perceber que este artigo já apresenta traços metodológicos deste novo posicionamento frente à linguagem arquitetônica. Essa metodologia não se expressa em termos de estratégia visando um fim específico, que o autor tanto rejeita, mas em termos de características de uma atitude relacionada à atividade prática.

Escrito e postado por: Flora Paim Duarte

Próxima leitura:


A arquitetura e o problema da figura retórica.


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