segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sobre a desconstrução: Peter Eisenman e Jacques Derrida
Após finalizar a leitura do texto ‘O fim do clássico’ era imprescindível que se discutisse a ligação existente entre Derrida e Peter Eisenman. Um fato favorável para este próximo passo foi notar que, entre os cinco textos publicados de Eisenman na antologia da Kate Nesbit, ‘O fim do clássico’ é o único que possui notas explicativas. Supõe-se que a intenção do autor vai além de expor algo de novo ou diferente, e visa realmente esclarecer sobre o que ele entende da história e, principalmente, o que ele propõe como nova atitude. Esta nova atitude dialoga com Jacques Derrida, um dos maiores expoentes da filosofia francesa em meados do século XX que questiona o estruturalismo a partir de uma posição desconstrutivista e que será conhecido como pós-estruturalista. São nas notas explicativas que Eisenman reforça sua idéia como também indica qual foi sua fonte de consulta e, a partir desta indicação, o encontro do LABEARQ que se sucedeu após a discussão do texto ‘O fim do clássico’, buscou esclarecer a relação entre a desconstrução derridariana e a construção do discurso de Eisenman.

O livro utilizado para tal objetivo foi ‘Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-estruturalismo’ de Jonathan Culler editado nos EUA pela primeira vez em 1982, dois anos antes da publicação de ‘O fim do clássico’. O livro trata da desconstrução enquanto prática lingüística e filosófica, e para a discussão na arquitetura é, especificamente, o capítulo 2, intitulado Desconstrução, que mais interessa. Com isso, os esclarecimentos feitos neste encontro do LABEARQ consideraram o universo derridariano utilizado por Eisenman a partir do livro de Culler, já que é esta a obra referenciada por Eisenman. Não há a intenção, a princípio, de aprofundar a análise da obra de Derrida, mas sim de compreender o que e como Eisenman transfere para a arquitetura questões tão específicas da lingüística e da atitude filosófica.

Os termos derridariano destacados para esclarecimentos foram: origem e causa; presença e ausência; e enxerto e traço. Colocados em pares, os termos são interligados por outros fatores como posição e oposição hierárquica, différance, intenção, sentido do ato, contexto. Os pares destacados estão no texto ‘O Fim do Clássico’, concentrados nos itens ‘Fim do Começo’ e o ‘Fim do fim’, exatamente, as partes em que Eisenman apresenta a sua proposta.

Origem e causa

A causa, enquanto causalidade, é um conhecimento básico. Todos compreendem que a relação causa-efeito é dada por uma hierarquia em que a causa antecede o efeito dentro de uma consciência lógica universal. Ou seja, a causa é o começo só reconhecido após a associação com o efeito.

A palavra origem traz a idéia de que há um valor implícito não conhecido, isto é, uma condição prévia ainda não valorada que só será reconhecida a partir de sua relação com o fim. Esta afirmativa, decorrente da consciência universal, complementa a noção de causalidade, isto é: a causa é começo e origem, enquanto o efeito é término e fim.

É este posicionamento que Derrida questiona: a hierarquia e a oposição existente entre termos que precisam ser explicados, onde só se entende um a partir de outro, sendo esta uma prática constante na filosofia.

Dentro da lógica acima apresentada, Eisenman demonstra de forma objetiva que “o processo de composição ou transformação” da arquitetura, seja esta clássica humanista ou modernista humanista tardia, parte de uma estratégia causal de concepção de projeto. A estratégia causal na arquitetura é, para Eisenman, adição e subtração dos elementos de composição espacial, onde a causa (funcional) é a origem, decorrente de uma posição classicista, arbitrária e determinista, que gera um efeito: a forma.

Notou-se que o questionamento de Derrida foi identificado por Eisenman na disciplina arquitetura a partir da relação função-forma. Esta constatação decorre não apenas do entendimento da argumentação, mas pelas próprias expressões utilizadas por Eisenman – origem, causa e efeito – que explicitamente estão presentes nos esclarecimentos da idéia que Derrida propõe contrapor. A principio é possível ver que este último influenciou Eisenman.

Entretanto, a crítica de Derrida, ou seja, a desconstrução, quer reverter “a posição hierárquica do esquema causal” fazendo com que o efeito, elemento que permite a identificação da causa, seja ele também a origem. Se ambos são origem, então esta não possui mais o privilégio metafísico, não podendo, com isto, ser entendida pelo sistema anterior e, portanto, o rompendo (CULLER, 1997).

Esta essência derridariana não é encontrada no texto de Eisenman já que este propõe que “inventar a arquitetura é deixar a arquitetura ser uma causa, e para ser uma causa ela deve nascer de algo alheio a uma estratégia de composição” (EISENMAN, 1984, p.245) [grifo nosso]. Percebeu-se que o discurso de Eisenman ainda está impregnado da lógica universal de causalidade, não há uma intenção explícita de construir sua argumentação a partir do que Derrida pretende reverter.

Presença e ausência

Para entender a proposição de Eisenman é preciso compreender a presença, e esta é uma questão revelada por Derrida a partir do questionamento da oposição hierárquica presença-ausência, e da différance como conseqüência desta oposição. Ambas decorrentes do desconctrutivismo que pretende ao invés de falar da presença pelo que se vê, fala-se dela, ‘presença’, como efeito do que não se vê, ou seja, a ausência.

“Uma desconstrução envolveria a demonstração de que, para a presença funcionar como se diz, deve ter as características que supostamente pertencem ao seu oposto: a ausência. Assim, em vez de definir a ausência em termos de presença, como sua negação. Podemos tratar a ‘presença’ como o efeito de uma ausência generalizada ou, de différance” (CULLER, 1997, p.110).

Como citado falar do presente em função do que está ausente leva a différance, isto é, a alternância indecidível: a ambivalência que um mesmo elemento pode significar, sendo a sua compreensão dependente de um contexto. O elemento significante desta différance existe na desconstrução como uma intenção, onde, para compreendê-lo, é preciso perceber o sentido do ato e o contexto, pois este último, ao mesmo tempo em que limita o sentido é ilimitado nas interpretações.

Diante do exposto, o questionamento e, conseqüente, o posicionamento desconstrutivista da oposição presença-ausência leva ao enxerto e o traço.

Enxerto e traço

Analisando a estrutura do discurso de Eisenman pode-se afirmar que, a utilização de figuras textuais derridarianas apresenta-se como o que o próprio Derrida reconhece como suplemento em Rousseau, e que na sua desconstrução vai denominar enxerto. De forma sucinta, o próprio ato de escrever serve de suplemento para a fala. O suplemento é algo extra, exterior, completo em si mesmo, que adiciona algo a alguma coisa que deveria ser completa em si mesma. A suplementação é possível por uma lacuna originária (CULLLER, 1997).

Os termos enxerto e traço são suplementos, completos em si mesmo pela própria definição conceitual de Derrida, que, ao ser adicionado no texto de Eisenman, permite suplementar sua proposição de uma arquitetura não-clássica. A lacuna originária está no próprio clássico que não alcançou mudanças significativas na história da arquitetura. Esta constatação permite dizer também que Derrida é o suplemento do discurso teórico de arquitetos contemporâneos como Eisenman.

“A desconstrução é, entre outras coisas, uma tentativa de identificar enxertos nos textos que analisa: quais são os pontos de conexões e tensões nos quais um argumento, uma linha ou um elemento derivado se entrelaçam? (...) A desconstrução elucida a heterogeneidade do texto” (CULLER, 197, p.155).

Vale destacar que, em nota, Eisenman deixou claro que não pretendia descobrir enxertos como o desconstrutivismo sugere, mas sim introduzir enxertos. Com isto, partindo para a compreensão do que Eisenman propõe como não-clássico e que está no âmbito do processo projetual de trabalho, o enxerto está ligado a origem. Criticando as origens clássicas e modernas por serem estas sempre provenientes de uma causalidade, o autor mantém a arbitrariedade, porém isenta de qualquer valor universal. A arbitrariedade deve ser artificial e relativa e o enxerto é uma origem artificial.

Nota-se no discurso que, mesmo criticando a causalidade da origem clássica e moderna, Eisenman busca definir a origem na sua proposta e esta é fruto de uma “motivação para a ação – isto é, o início de um processo” sem valores extrínsecos, é artificial: um enxerto. Esta definição da origem não é demonstrada dentro do entendimento de Derrida exposto acima, ela é claramente dita dentro dos parâmetros universais de causalidade, já que a origem (enxerto) esta na ação metodológica do próprio processo projetual e não está, por exemplo, no resultado final deste processo. Esta percepção fica clara quando Eisenman afirma que um enxerto é “um local inventado que possui menos as características de um objeto do que as de um processo” (1984, p. 244). No discurso de Eisenman, a origem está claramente ligada a causa, o que o afasta da essência desconstrutivista de Derrida.

Antes de conectar o enxerto ao traço no discurso de Eisenman é preciso pontuar em Derrida. O traço em Derrida é um elemento que pertence ao enxerto, ele é um termo utilizado para explicar o enxerto como também o é: ato, sentido, intenção e contexto. O enxerto, que são pontos de conexão e tensão, somente podem ser descobertos no sistema lingüístico a partir do entendimento do sentido do ato – a intenção do autor não determinante – representado por diferentes traços que são lacunas, ou seja, a ausência de uma presença limitada pelo contexto.

Como exemplo, a palavra pharmakon identificada pelo próprio Derrida ao desconstruir obra Fredo de Platão. Pharmakon significa ao mesmo tempo remédio e veneno, onde o sentido do ato só pode ser entendido no contexto. Este termo é a própria différance, pois é ambivalente e, na estrutura do texto de Platão é o suplemento: o enxerto. Da palavra ainda deriva Pharmakeus e Pharmakos que são, respectivamente, mágico e espião. O elemento pharmak é o traço, pois demonstra a ausência da presença que apenas pode ser apreendida dentro do contexto. É esta a lógica do enxerto juntamente ao traço derridariano, “pharmakon é o movimento, o lócus e o jogo (a produção) da differance” (DERRIDA apud CULLER, 1997, p.164).

O traço pode ser entendido como um vestígio instituído que Eisenman aproxima da idéia de “motivação para a ação”. Em nota explicativa, o autor afirma que a motivação assemelha-se a différance de Derrida, pois a motivação “é a força interior de um objeto que causa o seu dinamismo em todos os pontos de uma transformação contínua” que só pode ser legível pelo traço. A motivação pertence ao enxerto, ou seja, a ação do processo projetual que somente é vista pelo traço.

A utilização do termo traço por Eisenman é distinto do que Derrida diz em um único sentido. Derrida ao tratar do traço como movimento relaciona-o ao passado e presente. Para ele o presente não pode servir de base se for autônomo, ou seja, se não considerar o passado como um antigo presente e o futuro como um presente antecipado. Derrida trata o presente como a ‘presença’ de uma ausência generalizada. O presente não é e não pode ser autônomo.

E aqui Eisenman discorda, pois a afirmação de Derrida contradiz as convicções intuitivas de que o presente é absoluto. Se “o instante presente não é algo dado, mas o produto das relações entre passado e futuro” (CULLER, 1997), então para Eisenman, Derrida está dizendo que não pode haver uma origem a priori, isto é, uma origem originária. Esta discordância ao redor do termo traço, decorre do fato de Derrida associar a différance à impossibilidade de isolar a ‘presença’ como entidade (EISENMAN, 1984).

A discussão acerca do enxerto e do traço, juntamente a outros fatores percebidos no texto, conduziu o encontro do LABEARQ à compreensão de que Eisenman está discursando sobre uma necessária mudança no ato projetual, ao qual pertencem o enxerto (como local de novo método) e o traço (como o vestígio da ação deste novo método) para que seja possível mudar a atitude arquitetônica. Eisenman propõe “a idéia da arquitetura como ‘escrita’ em oposição à arquitetura como imagem”. E afirma que “o que está sendo ‘escrito’ não é o objeto em si – sua massa e volume – mas o ato de dar forma”.

Ao fim do encontro foi possível concluir que a ligação existente entre Eisenman e Derrida não pode ser compreendida na essência derridariana. O desafio que se coloca agora é visualizar, no sentido de materializar, o discurso no ato projetual de Eisenman, por exemplo, identificar o que seria o traço fisicamente. O LABEARQ parte do pressuposto que não é possível afirmar que Eisenman é desconstrutivista como Derrida, porém reconhece que a atitude de Eisenman tem um diferencial que pode até ser chamado de desconstrutivista, mas acredita que para isto é preciso justificar o termo, não apenas pelo discurso, mas também pelo entendimento da matéria arquitetônica.
Postado e escrito por: Manuella Marianna Andrade
Próxima leitura:
Arquitetura e o problema da figura retórica

Sem comentários:

Enviar um comentário